sexta-feira, 21 de maio de 2010

Angola não se explica



Hoje eu li uma frase, no Aerograma, em meio a um lindo texto de quem começa a se preparar para partir: “Angola não se explica, sente-se e é talvez por isso que não se consegue traçar fronteiras claras entre o que amamos e detestamos nela.”
Logo que li, comecei a rir, porque realmente é tão difícil explicar para quem não está aqui as coisas que vemos no dia a dia.

Quem pode explicar por que um bando de pinguins enfeitam o largo que fica aqui em frente ao escritório? Eles simplesmente estão lá para quem quiser decifrar o enigma..

Como não desatar a rir ao ver um carro amarelo ovo descendo a rua com um cidadão vestido todo de amarelo ovo na condução? De longe os óculos amarelo ovo chamam a atenção, seguido pela camisa, amarelo ovo, a gravata, amarelo ovo e o blaser também amarelo ovo esvoaçando no banco de trás. Não é nenhum pouco difícil imaginar de que cor são a calça e o sapato… rs

Ahhh como me lamento de não ter uma câmera nessas horas…

No rádio a estação de notícias entrevista os vendedores do Roque Santeiro em seus últimos dias de labuta no local. Todos inconformadíssimos em terem de mudar de mercado.

As entrevistas são todas tão intrigantes (não consigo achar adjetivo melho,rs), que

o trânsito matinal fica até mais leve e nem sinto a hora passar.

O programa chama-se taxi amarelo (kkk tinha de ser amarelo, rs).

As perguntas e as respostas são muito inusitadas, como por exemplo:

Entrevistador: O senhor está mesmo aqui no Roque a quanto tempo?

Vendedor: Ah estou mesmo aqui… já não me lembro… silêncio… Hum estou mesmo aqui desde que aqui cheguei até hoje…

Em seguida ele vai até outra banca e pergunta a uma senhora:

Entrevistador: Estou vendo que a senhora está mesmo gordinha, foi o Roque que te deixou assim?

Senhora gordinha: Não entendo

Entrevistador: Foi no Roque que a senhora engordou?

Senhora gordinha: Nãooooo já chegeui ao roque com esse corpo mesmo…

Agora o entrevistador vai atrás dos homens que matam os animais para vender fresco no roque (porcos e cabritos são os mais usuais).

Entrevistador: Os meninos já não estào mais aqui, mas temos uma jovem, vamos mesmo entrevistá-la. Jovem, como se faz para matar os animais?

Jovem: sim, aqui mata os animais, paga-se e depois mata.

Entrevistador: Mas como se dá a morte?

Jovem: é mesmo assim paga-se KZ 1500 e mata a cabra e paga-se KZ1500 e mata o porco…

É por essas e por outras que eu concordo plenamente com Afonso Loureiro, Angola não se explica!

quinta-feira, 13 de maio de 2010

O fim de um ícone



Durante décadas o Roque Santeiro recebeu a alcunha de maior mercado a céu aberto do mundo. São centenas de barracas espalhadas desordenadamente em meio ao caos e ao lixo, condições sanitárias nulas. Mas agora o mercado mais famoso do mundo vai acabar. Finalmente o governo vai transferir todos os vendedores para a Panguila, numa área organizada, com restaurantes, bancos e o mais importante condições sanitárias adequadas.

Essa transferência faz parte do programa do governo de requalificação do Sambizanga que vai transformar o perigoso e violento bairro num moderno distrito comercial e residencial, com muitos prédios modernos e caríssimos.

Bom, mas enquanto o futuro não chega e o mercado não muda, aproveitei o domingo passado para conhecer de perto o local.

Andando pelo mercado, um verdadeiro labirinto, não é difícil acreditar no ditado que diz “Se não tem no Roque é porque ainda não inventaram”.

Confesso que a primeira vez que vi o Roque tive medo de percorrer suas estreitas vielas, mas depois de andar alguns metros logo a gente se sente na 25 de março, mais suja, mais desorganizada e mais super lotada. É como se todos os camelôs de SP se juntassem no mesmo espaço de chão batido.

Calor insuportável, cheiro ruim e muita curiosidade. Não sei quem estava mais curioso, nós que passeávamos pelas fileiras intermináveis de barraquinhas ou os vendedores que nos seguiam com os olhos.

Realmente tem de tudo no Roque e por incrível que possa parecer, existe uma certa organização em meio a balburdia vista de cima. Não sei precisar ao certo qual a ordem, mas ao andar pelas “sessões” é possível identificar claramente seus segmentos, como num supermercado:

Beleza – com direito a fazer a sobrancelha ali mesmo no meio das barraquinhas, cabelos e mais cabelos, brasileiros, espalhados por todos os lados. Querendo é só párar ali mesmo e trançá-los.

Eletrodomésticos made in china, todos os tipos e qualidades.

Celulares: compra, vende, troca, acessórios, consertos e o que mais você desejar.

Alimentos de todos os tipos, desde enlatados amassados e enferrujados até frango e carne deitados a céu aberto sobre o tabuleiro, sem nenhuma refrigeração e claro muitas moscas.

foto by Gustav Nilsson

Vestuário feminino, masculino, infantil, cama, mesa, banho, sapatos e o que mais você precisar no Roque tem!

Reformando a casa? Materiais de construção aqui tem também. Ou precisando mobiliar? É só seguir em frente e lá estão camas, mesas, armários, sofás e até geladeiras e fogões.

Mas a fama de ter de tudo a preço baixo não se aplica a expatriados que como nós trazíamos na pele branca o $$$ estampado na testa.

Parei numa barraquinha onde havia uma batedeira a venda, sonho de consumo adiado a meses, pois aqui os preços são impraticáveis. Na caixa o valor de 1800 kwanzas, o equivalente a R$ 36 reais. Mas quando perguntei a senhora quanto custava ela logo disse KZ3.000 ou seja, R$ 60.

Chora daqui, chora dali, mostro a ela o preço da caixa, ela desconversa diz que não pode abaixar. Uma angolana se aproxima e não pergunta nada. Eu digo que ela quer comprar a batedeira e pergunto quanto custa pra ela. A moça ri e diz que é Kz 3.000.
Vou embora e peço pra ela pensar no preço que eu volto.

Outra barraca e uma caixa térmica é nosso alvo agora. De novo o preço vai as alturas. Argumento que no supermercado é mais barato a moça diz que não, que a que tem lá é outra de uma marca inferior.

Já estou quase desistindo de comprar qualquer coisa quando vejo uma bacia de alumínio, surpresa, surpresa está de graça cerca de R$ 4,00. Agora sim o Roque mostra a sua cara.

Volto na batedeira, mais um choro daqui um chora dali e coloco na mesa KZ 2500 pra levar agora. Quer ou não quer… A senhora chora mais um pouco, diz que assim só ganha Kz 100. Eu argumento que no supremercado é mais barato e ela aceita com cara de coitadinha.

Resultado final:

1 batedeira Kz 2.500
1 caixa térmica Kz 2.800
1 bacia kz 200

Conhecer os últimos dias do Roque Santeiro, não tem preço!

PS: A batedera, made in china já quebrou!

terça-feira, 11 de maio de 2010

O Glorioso e suas Histórias


Aeroporto 4 de Fevereiro antes da reforma (foto by site: cpires)

Desde que cheguei há dois anos atrás o aeroporto internacional 4 de fevereiro, batizado carinhosamente de “Glorioso” pelo Diário de África, já rendeu muitas histórias, algumas intrigantes, outras irritantes, mas sem dúvida nenhuma muitas curiosas e engraçadas.


Aeroporto 4 de Fevereiro depois da reforma (foto by site:airportworld)


Hoje sem dúvida nenhuma o aeroporto funciona como um verdadeiro aeroporto internacional, a maioria dos vôos chegam e saem na hora.

Não existe mais aquela fila horrível para pegar o formulário da vilância sanitária, a emigração funciona rapidamente, existem carrinhos para pegar as malas e ninguém fica do lado das suas malas querendo te arrancar uma gasosa, seja ela em kwanzas, dólares e reais, aqui os gatunos são bem ecléticos,rs.


(foto by site jorna de angola)

Mas essas são coisas do passado, agora temos até taxis de verdade nos esperando do lado de fora. O ar condicionado funciona a todo vapor e a lanchonete está lá 24h por dia para matar a fome de quem chega ou quem vai.

Ah, quase ia me esquecendo de falar da reforma, o lugar ficou realmente bonito, mármores e granitos, iluminação, cadeiras e até internet… Sim, sim, sim…. Agora o aeroporto está nos trinques!


(foto by site Angop)

Mas uma coisa não muda e creio que nunca vai mudar : as curiosas histórias do glorioso!

São coisas que só acontecem por esses lados mesmo, como por exemplo na minha última ida ao Brasil. Estava eu bonitinha na fila para entrar na fila da emigração quando uma senhorinha angolana com carinha de vó me aborda.

Senhorinha: A senhora não me faz um favor?
Eu: Não sei, depende!
Senhorinha: risinho de quem sabe que vai pedir algo difícil.
Eu: O que a senhora precisa, já estava eu imaginando que ela me pediria para levar alguma mala que havia estrapulado o limite de peso. Para isso já tinha a resposta na ponta da língua (já despachei). Mas não… nada de mala…
Senhorinha: Não podes levar os passaportes dos meus filhos para São Paulo
Eu (com aquela cara de atônita de quem foi pega de surpresa e demora pra processar a informação): Como?!
Senhorinha: Os passaportes deles caducaram e agora eu tenho de madar os novos.
Eu (já refeita do susto): A senhora me desculpe, mas eu não posso fazer isso. A senhora tinha de ter pedido a renovação na embaixada lá do Brasil.
Senhorinha: Mas é que lá deu problema, faltou documento…
Eu (agora já dona da situação): Ah me desculpe, mas não posso não. Aliás ninguém pode andar com passaporte de outro. Se a polícia federal me pega eu sou presa. Por que a senhora não manda por DHL?
Senhorinha: Demora muito.
Eu: Ah não demora não, são só 15 dias e chega direitinho.
Senhorinha: com sorrisinho de desaprovação sai andando em busca de outra vítima…

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Trânsito em Luanda



Essa charge foi publicada no Jornal de Angola, um verdadeiro retrato do trânsito em Luanda, rs